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GAZUA

GAZUA

São cardos, senhor. Picam e eu gosto

AG, 25.09.20

O que arde, cura (dizem). E o que pica, neste caso, serve para fazer queijo. O cardo, essa planta de campos e beiras de estrada, tornou-se um dos meus companheiros favoritos desde as semanas de confinamento. E ainda tenho muito com que me entreter com ele.

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Quando começou o confinamento, tive de procurar uma alternativa aos meus circuitos habituais de passeio e caminhada. O percurso que eu usava mais foi interditado. E andar pelas ruas da cidade não resolvia, de todo, a necessidade de espairecer. Foi nessas semanas que comecei a explorar melhor um dos montes que estão aqui a poucos minutos a pé de minha casa - meio esquecido, meio entalado entre as casas e quintais que compõem a linha de fronteira do subúrbio quase rural deste subúrbio urbano onde moro. É um monte relativamente baixo, com alguns caminhos entre pinheiros, mato e zonas mais planas onde cresce todo o tipo de ervas e flores.

Uma das plantas que mais davam nas vistas nesses idos de Março e Abril eram os cardos - altos, de cabeça gorda e pesada, quase a dar flor. Em Maio, encheram os campos de bolinhas azul-lilás. E como me afeiçoei àquele novo percurso de subir, descer e rodear o monte, mantive-o até hoje e pude acompanhar todo o ciclo de Primavera e Verão - e já início de Outono - destes cardos.

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Há várias espécies de cardos e não sou boa a distingui-los. Já sei identificar o cardo-mariano, porque as folhas têm manchas e é fácil. Mas depois há outros dois - o Cynara cardunculus e o Cynara humilis - que continuo a confundir. A Internet, como quase sempre, ajuda: num grupo de facebook sobre Flores Silvestres Autóctones de Portugal encontrei um longo debate sobre as diferenças e consegui que, vendo as minhas fotografias, me esclarecessem que os que abundam nos campos aqui perto são da variedade Cynara humilis.

Ambos são usados para o fabrico de queijo. O queijo da Serra da Estrela, por exemplo, é feito tradicionalmente com cardo. Os pistilos (partes femininas) da flor do cardo são ricos numa enzima (cardosina) que provoca a coagulação do leite. Os pistilos são colocados em água e depois macerados, e é este líquido que se junta ao leite (a título de curiosidade: outra forma tradicional de coagular o leite passa pelo uso de um bocado de estômago de animais ruminantes que ainda mamem, uma vez que têm uma enzima com o mesmo efeito).

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A flor do cardo é lindíssima, e isto em todas as suas fases. Antes de abrirem, com aquela forma de grandes gotas cobertas de escamas verdes e lilás a terminar em picos, uma coisa que dá vontade de pegar, desenhar, pesar na mão, que parece quase um bicho. Quando abrem, pela cor azul intensa (por vezes, branca) e aquele ar de pompom levíssimo a contrastar com a rudeza das sépalas, que voltam as pontas para fora como uma pequena fortaleza ou um pássaro que eriçasse as penas em sinal de medo ou ameaça.

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Quando secam, os filamentos da flor fazem uma espécie de palha macia, dourada, que fica aconchegada no redondo do cálice. Às vezes estes filamentos voam ou são talvez arrancados pelos animais (as sementes estão presas a estes filamentos, agrupados em forma de pequenos pára-quedas,  como os dentes-de-leão).

Portanto, passei estes meses a ver os cardos crescer, ganhar o botão, florescer, secar. Não me canso deles.

E aproveitei para fazer três coisas que não tinha nunca feito:

Comê-los. É verdade, podem-se comer. São da família das alcachofras e o sabor é muito semelhante. Mas têm menos aproveitamento - menos carne, por assim dizer. Apanhei alguns cuja flor ainda estava fechada e cozi-os.

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Secar flores para fazer queijo. Esta vai ser a experiência mais complexa, mas eu gosto de me meter em empreitadas deste tipo. Sequei algumas flores e quero agora macerá-las, coagular o leite e fazer queijo. Não encontro instruções exactas sobre as quantidades e vou guiar-me pelas indicações preciosas que encontrei nesse tal grupo de facebook.

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Guardar as sementes. Demorei alguns anos a perceber onde estavam as sementes do cardo, porque nunca conseguia vê-los na altura certa. Este ano, finalmente, com os meus passeios regulares ao monte fui fazendo algumas investigações (que é como quem diz, escarafunchando as flores em vários pontos de maturidade) e finalmente consegui encontrar as sementes. Trouxe algumas para casa; resta encontrar um quintal onde possa semeá-las e vê-las depois crescer e florir de novo.

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