Quem tem medo do índio Joe? Sete personagens que aterrorizaram a minha infância
Ainda hoje, quando falo ao meu irmão do índio Joe ele encolhe-se ligeiramente, com um riso nervoso. Não há medos como os que animaram a nossa infância. Eis a minha selecção pessoal de personagens que me aterrorizaram e que, por isso, merecem o meu carinho.
Como bónus, uma aparição especial dum tal de Bob que surgiu na minha vida quando eu já tinha idade para não me assustar.
Têm também algum terror de estimação? Deixem nos comentários.
Joe, o Índio
Vou já despachar o Joe, esperando que, quando terminar de escrever sobre os outros seis, já o tenha esquecido e consiga ir dormir descansada.
Para já, nos desenhos animados ele era 'Joe, o índio', e não 'o índio Joe'. Não sei como é nos livros. Mas este era um detalhe que nos perturbava um pouco, mostrava que havia ali qualquer coisa retorcida.
Joe, o índio, é o antagonista no livro As Aventuras de Tom Sawyer (1876), de Mark Twain. Que é como quem diz: Joe é o mau da fita. Quando eu era criança a RTP passou a série de animação e é dela que retirei a imagem que ilustra o nosso amigo Joe.
Preciso de dizer alguma coisa sobre a causa do meu medo? Por acaso, até preciso: é que não era só o facto de ele ser mau (desenterrava cadáveres de cemitérios e matava pessoas), nem era só este olhar assustador.
No final da história, quando todos já respiramos de alívio porque o Joe está a ser julgado num tribunal, eis que ele salta pela janela, foge e desaparece. A ideia de que Joe, o índio, continua à solta e pode a qualquer momento voltar e vingar-se de Tom e de Huck é tão aterradora que nem o facto de ele ser mais tarde encontrado morto apazigua o medo.
Quando penso nele, nem me lembro desse final tranquilizador. Penso apenas que fugiu e anda à solta por aí.
Imperador Ming
Ming, o Impiedoso. A ideia que tenho desta personagem - do seu papel na história, das cenas em que entrava - é muito vaga. Se me perguntarem quem era Flash Gordon, nem sei bem responder, além de dizer que era uma espécie de herói de ficção científica de acção.
E creio que a causa é simples: o olhar de Max von Sydow, o actor do filme, obscurece tudo o resto, todas as outras personagens e a trama da narrativa. Aquelas sobrancelhas em forma de pata de aranha, daquelas aranhas grandes e gordas e felpudas. E depois, a roupa. Não deve haver em toda a história do cinema um vilão tenebroso com um guarda-roupa tão extraordinário como o de Ming.
A Bruxa da Pequena Sereia
A história da Pequena Sereia contada pela Disney tem muito pouco a ver com a Pequena Sereia original do conto de Hans Christian Andresen. Começamos pelo fim, e ficam já avisados do spoiler: no conto, a Pequena Sereia morre. Ou melhor: volta ao mar e o seu corpo desfaz-se e transforma-se em espuma.
Quem leu os contos de Andresen (ou quem viu a série de animação Contos de Andersen, nos anos 80) sabe que muitos deles são tristes, pessimistas, não encaixam no formato "e viveram felizes para sempre". São também maravilhosos. Andresen era um grande, grande escritor.
A bruxa que a Pequena Sereia visita é uma criatura asquerosa. A sereia tem de vencer a sua repulsa para ir ter com ela e pedir-lhe uma alma imortal e as pernas que lhe permitirão aproximar-se do príncipe. Eis a descrição do assustador mundo submarino que a sereia tem de atravessar a caminho da casa da bruxa: "Todas as árvores e arbustos eram pólipos - metade animal, metade planta - e pareciam serpentes com centenas de cabeças a nascer da terra; todos os ramos eram braços longos e viscosos, com dedos como vermes que se dobravam".
"Cada passo que deres será como se pisasses uma faca afiada".
E a ajuda que a bruxa lhe oferece é uma lista de tormentos horríveis: se aceitar, a Pequena Sereia nunca poderá voltar para a sua família, ficará sem voz e "cada passo que deres será como se pisasses uma faca afiada". Além de que o amor incondicional do príncipe, esse, não é garantido - e, de facto, não se concretizou, levando à morte da sereia.
A bruxa sabe tudo, e sabe também que a Pequena Sereia vai cometer um terrível erro. Mas dá-lhe a poção que a transforma. E o riso dela mata sapos e outras criaturas em redor. Querem pior do que isto?
A Duquesa da Alice no País das Maravilhas
A Rainha de Copas pode ser mais cruel e despótica, mas quem realmente me assusta no livro da Alice é a Duquesa. Recordando brevemente a cena: Alice encontra a Duquesa na cozinha, sentada a cuidar de um bebé, enquanto a sua cozinheira, num acesso de loucura, atira tachos e panelas pelos ares.
A coisa realmente perturbadora - muito mais que os tachos e panelas a acertar nas pessoas presentes - é que a Duquesa maltrata o bebé, chamando-lhe nomes e sacudindo-o violentamente enquanto lhe canta uma espécie de cantiga de embalar. E depois, quando Alice pega no bebé ao colo, este transforma-se num porco.
Um porco, ainda vá. Mas uma mãe a maltratar assim o próprio filho, era demasiado aterrador.
Long John Silver
A Ilha do Tesouro, de Robert Louis Stevenson, é dos meus livros preferidos de sempre. Li-o pela primeira vez numa versão em banda desenhada. Desde esse dia, a figura do pirata Long John Silver assombra-me.
O verdadeiro pirata da perna de pau, com um papagaio como companheiro. Um homem cruel e dissimulado, que se faz passar por amigo para depois tentar matar todos e ficar com o tesouro da ilha. Durante capítulos a fio, ele espera apenas uma oportunidade para atacar, e nunca sabemos quando esse momento chegará.
À conta dessa primeira imagem do pirata, que nunca me deixou, até hoje colecciono edições de A Ilha do Tesouro que tenham, de preferência, ilustrações. É uma espécie de exorcismo do meu medo.
A viúva Mac'Miche
Esta é provavelmente a menos conhecida da lista. A viúva Mac'Miche é uma das personagens do livro Um Bom Diabrete, da Condessa de Ségur. É prima de Charlot, o protagonista, um órfão de 13 anos que está a seu cargo e que ela maltrata impiedosamente. Olhando para a imagem da capa desta edição percebem facilmente de onde vinha o meu pavor à criatura.
O livro tem requintes de crueldade, injustiça e bondade lamechas suficientes para inspirar revoluções sociais. Acaba bem para Charlot. A viúva morre e há casamentos e uma herança.
Bob, de Twin Peaks
A série Twin Peaks faz parte da minha adolescência, não da minha infância. Mas o terror que algumas personagens e cenas me inspiraram está ao melhor nível dos traumas infantis. Tanto, que a certa altura abandonei a série porque tinha medo de ir sozinha pelo corredor que me levava da sala ao meu quarto, quando terminava o episódio da semana. E a história estava tão enleada que eu já não percebia muito bem quem era quem.
Bob é uma entidade que vive numa dimensão alternativa. Num processo de possessão demoníaca, controla várias outras personagens e leva-as a cometer crimes, como o homicídio de Laura Palmer. A cena do espelho, em que Bob possui Leland Palmer, é ainda hoje difícil para mim.
E vocês, de quem tinham medo? Deitem cá para fora!