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GAZUA

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De A a Z (ou talvez não): qual a melhor maneira de organizar os livros?

AG, 30.06.20

Quem nunca teve opiniões sobre a biblioteca alheia que atire a primeira pedra.

Há tantos métodos de arrumação de livros quantas as pessoas que os têm. Imagino que este possa ser um tema fracturante quando se partilha uma biblioteca, uma daquelas coisas que podem levar ao divórcio, se ninguém ceder. Quase todos cruzamos vários critérios nesta arrumação, uns com prioridade sobre os outros.

A tower of used books, by Jorge Royan, https://commons.wikimedia.org/wiki/File:A_tower_of_used_books_-_8449.jpgImagem: Jorge Royan, licença CC BY-SA 3.0

Com uma biblioteca, não importa só os livros que temos: há o espaço disponível, e como este se distribui pelas divisões; há os livros que viremos a ter; há o facto de o espaço de uma casa não ser infinito.

Em algum momento, somos confrontados com a pergunta: o que farei eu destes livros, que já não cabem? É inútil pensar que não vamos comprar mais, ou que vamos passar a ler apenas livros da biblioteca - por muito bem recheada que esteja, nunca vai ter tudo aquilo que queremos.

Alguns de nós terão aproveitado o confinamento para tentar arrumar os livros, e possivelmente considerámos até mudar os critérios. Na nossa biblioteca, ao contrário de outras coisas da nossa vida, podemos e devemos fazer o que nos apetece e ceder a todos os caprichos - inclusivamente, pôr lado a lado escritores que nas suas vidas pessoais se odiaram.

O objectivo é encontrarmos depois o caminho até cada livro, e ele passa por vezes por becos muito escondidos do nosso cérebro. A parte boa: ninguém tem nada a ver com isso.

 

Coisas práticas: alguns métodos comuns de organizar os livros

 

Por ordem alfabética do nome do autor

É o método mais óbvio e o que encontramos na maioria das livrarias e bibliotecas. Pode ser hardcore - todos os livros numa sequência única - ou precedido pelo método da separação por géneros. No meu caso, tenho os livros de ensaio e história numa estante à parte, os de poesia separados dos de ficção, etc., e cada um destes grupos organizado de A a Z por nome do autor. A vantagem é que a ordem do alfabeto é sempre a ordem do alfabeto, e não há grandes fugas possíveis.

Os dois problemas que já encontrei são:

  • usamos o primeiro ou o último nome? E quando o autor não é muito conhecido por nenhum deles? Por exemplo: o Cesariny entra em C, em M de Mário ou em V de Vasconcelos? Dostoievski fica em D ou em F de Fiodor? C de Camões, ou entramos num tu cá, tu lá com o amigo Luís?
  • as diferenças de grafia dos nomes estrangeiros: Yannis, Giannis ou Iannis Ritsos?

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Imagem: Juhan Sonin, licença CC BY-SA 2.0

 

Por género

Este método pode ter um segundo nível de apuramento, se dentro de cada género organizarmos por odem alfabética, tal como referido no ponto anterior. Ou - o que pode fazer sentido para temas de história, filosofia, etc. - cronologicamente.

A ordenação por género tem a vantagem de criar grupos mais pequenos e mais facilmente pesquisáveis de livros; mas há alguns mais caprichosos que dificilmente encaixam num género, e que depois acabam por juntar-se num bouquet de foras da lei.

 

Por cor

Não torçam já o nariz: organizar os livros por cor pode não ser apenas questão decorativa ou de vaidade. Este pode ser um método muito eficaz para pessoas muito visuais ou que não tenham bibliotecas demasiado grandes.

Por exemplo: quase sempre me recordo da cor duma lombada quando procuro um livro, e isso ajuda-me a localizá-lo mais depressa. Ao fim de algum tempo os meus olhos já aprenderam a cor, a altura e outros aspectos físicos do livro.

É claro, para uma biblioteca muito grande não é o melhor método. E é capaz de deixar as casas com um ar enjoativo de catálogos IKEA.

 

Por língua

Pode ser um método prático - seja para distinguir entre os livros em língua portuguesa (original ou traduzida) e outras línguas, seja para autores de língua portuguesa vs autores de outras línguas. Uso este método de forma um pouco bastarda: separo-os nas obras de ficção, mas junto-os todos na poesia. E porquê? Porque sim.

 

Por ordem cronológica

Há pouco referi este método, quando falei na organização por géneros. Se quiser a minha filosofia arrumadinha dos pré-socráticos até aos pensadores do século XXI, este é um sistema útil.

No meu caso, e por questões puramente práticas (vulgo, falta de espaço), arrumei todos os 'gajos até ao século XVIII’ (é assim que lhes chamo) numa estante à parte porque não tinha forma de manter a ordem alfabética, a que dou preferência, com as estantes repartidas pela casa.

A verdade é que funciona. Se quero os clássicos gregos, sei onde encontrá-los: na estante da sala, e não na do escritório. Conseguir encontrar os livros rapidamente é o mais importante. É claro que aplicar este princípio a toda a biblioteca exige ter sempre uma linha histórica na cabeça, o que pode não ser fácil.

 

Nos lugares onde dão jeito

É um dos meus critérios preferidos, que cruzo com vários outros. Exemplo prático: os livros de culinária estão na estante mais próxima da cozinha. Ao pé dos clássicos gregos, dos mapas e dos livros infantis, e dão-se todos bem.

Os Sherlock Holmes e as Agatha Christies estão refundidos numa prateleira fora de alcance, porque já os li todos e provavelmente não volto a fazê-lo.

 

Olha, é onde couberem…

Também já devem ter passado por isto: aquela edição ilustrada dum qualquer romance que é mais alta que o normal e não cabe na prateleira onde - seja por ordem alfabética, por género, etc. - devia estar. As prateleiras de mais de 25 cm são sagradas, e deve haver sempre pelo menos uma assim, para acolher as criaturas que não cabem nos padrões normais. Ou isso, ou passam a vida deitados. Pobrezinhos.

 

Por colecção

Pode ser um sistema bom para os amantes de colecções - sejam elas os livros de arte da Taschen, as novelas gráficas da Levoir, os policiais da Europa-América ou os clássicos antigos da Cotovia. Todos os  que não cabem nas colecções terão de passar por um outro método. Portanto, não resolve muita coisa.

 

Duas notas de embirração com a organização das livrarias:

 

Organização dos livros de BD por editora

Eu sei que para quem percebe muito de BD é mais ou menos fácil adivinhar onde está o Gaston, onde está a Mostress ou onde está o Astérix. Mas para o comum dos mortais torna-se impossível encontrar o autor, ou o título, que se procura.

 

As estantes ‘Plano Nacional de Leitura’

Estas são feitas para poupar trabalho aos pais. E assim, quem, como eu, não compra os livros a pensar na escola, mas para consumo próprio ou para oferecer a miúdos, bem pode suar…

Ambos os casos acabam geralmente com uma pergunta desesperada aos livreiros. 

 

Angústias que podem levar livros à fogueira

Além dos critérios de organização propriamente ditos, há dúvidas que podem gerar vários níveis de angústia:

 

Arrumo os livros em duas filas?

E depois, como vou lembrar-me dos que estão escondidos lá atrás, e que chatice ter de afastar uns para tirar os outros, e se a estante começa a empenar…

 

E quando um autor tem livros de mais de um género, mas para nós deviam estar todos juntos?

Por exemplo, faz sentido ter os heterónimos poéticos do Pessoa na estante da poesia e o Livro do Desassossego separado, na prosa? (a minha resposta a isto é: faz o que o coração te pedir - e assim tenho o Pessoa todo junto e o A. M. Pires Cabral também, mas tenho os livros do Jorge de Sena separados)

 

Prognósticos? Só quando acabarem as estantes

Isto é, que espaço vago (se houver) deixar em cada prateleira para os livros que ainda vamos comprar? Para esta, não tenho nenhuma sugestão. Em compensação, tenho muitas pilhas de livros encostadas aos cantinhos que sobram. É aguentar.

 

E o que fazer dos livros ‘a mais’?

Aceitando que há livros a mais - façam esse exercício comigo, ainda que seja teórico.

Já fiz várias grandes limpezas, que incluem desembaraçar-me de

  • livros que não li, e provavelmente não vou ler
  • livros que li e de alguns até gostei bastante, mas sei que não volto a lê-los
  • e coisas que não sei como vieram parar cá a casa

Quando falo em grandes limpezas, são às vezes caixotes de livros.

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A biblioteca da minha zona não aceita livros pelo mesmo motivo que me leva a dá-los: dizem que não têm espaço. Haverá outras que aceitam. Algumas instituições - de prisões a serviços sociais - possivelmente também, ainda não tentei.

O que fiz diversas vezes foi levar algumas pilhas de livros para o meu local de trabalho e deixá-los lá com um papel a dizer que são para quem quiser, grátis. Funcionou sempre bem.

Depois, há o método do detective Carvalho, a personagem de Montálban que usava livros da sua biblioteca para acender a lareira. Traduzo aqui uma citação tirada do blog Quemar Libros, que recorda esse hábito de Carvalho: ‘Li livros durante 40 anos da minha vida e agora queimo-os porque não me ensinaram a viver’.

O El País recorda ainda qual foi o primeiro livro queimado pelo detective, e explica porquê: nada mais, nada menos que o D. Quixote.

 

Se este tema vos interessa, deixo-vos uma sugestão de leitura: How 11 writers organize their personal libraries

 

Organizam os vossos livros de outras formas? Partilhem nos comentários.

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