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GAZUA

GAZUA

Agora há aqui um mar. Agora, não

AG, 14.04.21

Do alto da serra de Aire (mais propriamente, de Santo António) avista-se um mar que dura apenas umas semanas ou meses. É o polge de Minde, ou mar de Minde. Um mar a sério: quando a água sobe muito, há quem faça ali mergulho e ande de canoa. É um dos vários e impressionantes lugares que a água desenhou nesta serra. 

Polje de Minde inundado - imagem de Towiki60, licença CC BY-SA 3.0Polje de Minde inundado - imagem de Towiki60, licença CC BY-SA 3.0

Uma obra de água

O polge (ou polje, como preferirem) tem 2,5 km por quase 1 km e assenta numa bacia rectangular que, no Inverno, fica alagada. As águas das chuvas juntam-se às do lençol subterrâneo que atravessa aquela zona (onde nasce, entre outros, o rio Alviela) e às que escorrem das encostas da serra, conhecida pelo seu interior rendilhado de grutas e galerias. Este é um fenómeno descrito pelo termo científico cársico –  quando as rochas, calcárias, são moldadas pela acção da água, que provoca erosão e as dissolve quimicamente.

serradaire-santoantonio-vista.jpgVista do alto da serra (Santo António), com o polge lá em baixo, mais para a direita.

Esta página do site Natura Minde (não aconselhável a telemóveis) explica com algum detalhe o fenómeno do polje e o que lá encontramos. Em anos de grandes chuvas, a cheia pode atingir alguns metros de altura, como se pode ler nesta página da Junta de Freguesia de Minde

 

Não há pilriteiros em flor como os primeiros

Na Primavera, com sorte, o polge de Minde transforma-se num sítio de beleza extraordinária. Foi assim que o vi pela primeira vez, há talvez uns 15 anos e por simples acaso. Era o fim de semana da Páscoa e decidimos ir dar um passeio à serra. Quando chegámos a Minde reparámos – era impossível não reparar – num cenário deslumbrante: o polge era um espelho de água onde se reflectiam centenas e centenas de árvores carregadas duma flor branca e miudinha.

Há vários caminhos de terra que o ladeiam e atravessam. Escolhemos um e avançámos.

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No meio do arvoredo, cada vez mais estávamos num lugar à parte. Além das copas e do reflexo das flores na água, as pétalas brancas polvilhavam o chão e o ar em volta. Era o sítio certo para filmar um qualquer mundo perfeito e desaparecido: um cenário irreal de jardim duma só árvore, duma só flor a cobrir tudo, a desprender-se e a flutuar à nossa frente. Aquilo era verdade? Parecia que sim, mas isso só aumentava o nosso espanto.

Em vários momentos, para evitar zonas alagadas onde não conseguíamos passar, saímos do caminho e furámos entre as árvores, descobrindo assim que os ramos estavam cheios de longos, afiados espinhos.

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Só mais tarde descobri o nome do sítio, e fiquei a saber o que era um polge, e que aquelas árvores são pilriteiros. Além destes, encontramos também algumas oliveiras e carvalhos, e restos de antigos pomares: quando a lagoa está cheia, as árvores ficam meio submersas, vendo-se apenas o topo das copas a flutuar na água.  

A impressão daquele dia foi tão forte que várias vezes voltei, tentanto rever a mesma paisagem. E foi assim que descobri que não é fácil. Naquele dia tivemos uma sorte invulgar. Encontrámos os pilriteiros no momento certo, pleno, da floração, e o polge tinha a quantidade de água exacta para criar aquele espelho delicado. 

Cheguei a trocar mensagens com a equipa do parque natural que, com grande simpatia, ao longo de dois ou três anos, por esta altura me respondia dizendo que não, os pilriteiros ainda não estavam em flor. Ou, naquele ano, quase não tinham florido. Ou já tinha passado. Voltei lá algumas vezes, mas o polge era sempre apenas um lugar verdejante, sem dúvida bonito, por vezes demasiado ensopado para grandes caminhadas, uma ou outra vez com um pouco de flor.

pilriteiros-polgedeminde2.jpgSeparados à nascença: um pilriteiro cheio de flor, o outro sem nenhuma.

Este ano fiei-me nas chuvas intensas do Inverno e na floração dos pilriteiros que tenho aqui perto de casa. Fui à serra e desci ao polge. E foi o mais perto que estive daquela primeira vez. Não havia espelho d'água, apesar do Inverno chuvoso. Os pilriteiros ainda não estavam com a floração plena, mas muitos já tinham uma cabeleira branca leve e miudinha. Outros, nem uma flor – e por vezes, nem sequer botões por abrir. Vá-se lá perceber. Por todo o lado, marcas da passagem de animais e um leve cheiro a lodo. Lá no alto, trovejava. Não encontrei a imagem deslumbrante daquela primeira visita, mas quase. O polge estava magnífico. Se puderem, aproveitem os próximos dias de Abril para conhecê-lo.

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