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GAZUA

GAZUA

Nem cangurus, nem aranhas: estes são os dois (ou três) animais da Austrália que gostava de ter visto

AG, 27.11.20

Marsupiais e animais venenosos: quando falamos da fauna australiana, quase sempre a conversa vai parar a estes dois grupos. Com alguma sorte, além dos cangurus e dos coalas talvez venham à baila os rechonchudos (e possantes) vombates. 

Aviso sobre perigo de crocodilos - praia na Austrália

 

Até porque os vombates têm uma característica muito curiosa. Mas sobre isso falamos lá mais para o fim; o tema principal deste texto é outro. Queria mostrar aqui duas pequenas, discretas e inofensivas criaturas que deixam o seu rasto na paisagem australiana. Tão pequenas que, na verdade, nunca as vi.

 

É como jogar golfe, mas ao contrário: o caranguejo que faz bolinhas

Se os sinais de alerta que há nos acessos a algumas praias australianas acabassem por traduzir-se, de facto, em ataques de crocodilos, eu teria sido uma presa facílima. É que, passados os momentos iniciais de medo ao atravessar os mangais e os carreiros ladeados de vegetação densa, quando pus os pés na areia a minha reacção foi de espanto, e nunca mais me lembrei dos crocodilos. 

Ao longo de dezenas, centenas de metros, o areal estava coberto por minúsculas bolinhas de areia, não maiores do que bolas de esferovite, muitas vezes organizadas em padrões concêntricos a partir de um pequeno buraco. E com algumas faixas vazias a atravessar esses padrões. Nas fotos abaixo é fácil perceber.

Bolinhas de areia do sand bubbler crab, Austrália

Praia na Austrália com as bolinhas de areia dos sand bubbler caras

 

Depois de uma pesquisa, fiquei a saber que os seus autores se chamam, em inglês, ‘sand bubbler crabs’, que é como quem diz ‘caranguejos de bolhinhas de areia’. Nome científico, segundo a Wikipedia: Scopimera globosa.

Estas pequenas criaturas alimentam-se filtrando a matéria orgânica (como o plâncton) que existe na areia molhada. Funciona assim: enfiam areia para dentro da boca, filtram os materiais comestíveis, e depois cospem bolinhas de areia. Muitas bolinhas de areia, como se pode ver. Grandes trabalhadores.

Bolinhas de areia dos sand bubbler crabs, Austrália

Não consegui ver nenhum destes caranguejos, mas o vídeo abaixo mostra-os em acção. Quanto às linhas vazias que cruzam estas grandes áreas que rodeiam cada toca, são caminhos de fuga que lhes permitem, se necessário, refugiar-se no buraco rapidamente. Depois, a água do mar vem e desfaz todos aqueles milhares e milhares de bolinhas.

 

A arte abstracta das traças rabiscadoras

Também não vi nunca o pequeno animal que marca, na casca dos eucaliptos, as linhas finíssimas e ziguezagueantes que podem ver na fotografia abaixo.

Marcas da traça 'scribbler gum moth' na casca de um eucalipto, Austrália

Marcas da traça 'scribbler gum moth' na casca de um eucalipto, Austrália

Foi só depois de regressar da viagem que fiquei a saber o que são: as pequenas larvas duma traça 'rabiscadora' (em inglês, ‘scribbly gum moth’). As larvas vão avançando por dentro do tecido exterior do caule da árvore e esta cria depois uma espécie de cicatriz ao longo desse percurso. Podemos dizer, portanto, que estas linhas delicadas são os caminhos que as larvas destas Ogmograptis scribula vão deixando na superfície dos eucaliptos onde vivem.

 

Então e os vombates?

Pois é, os vombates. Não são venenosos nem dão grandes saltos. Nem fazem desenhos nas árvores, e muito menos bolinhas de areia. Mas, em compensação, fazem cocós em forma de cubo. É mesmo verdade. 

Vombatus_ursinus_-Maria_Island_National_Park.jpgImagem: JJ Harrison (jjharrison89@facebook.com) - Own work, CC BY-SA 3.0,



Deus criou, o homem organizou: os bonecos que ajudam a arrumar o mundo

AG, 08.11.20

"Deus criou, Lineu organizou" - é uma expressão  que descreve bem o papel que o cientista sueco teve na forma como vemos hoje o mundo.

02_Systema_Naturae_cover_02.jpg

 

Numa ilustração do seu livro Systema Naturae, lá está ele, instalado no jardim do Éden, a pôr ordem na casa, a dizer o que é isto e o que é aquilo, e como se há-de chamar às coisas. Sempre achei que me teria dado bem com Lineu. Lembro-me perfeitamente do fascínio que senti quando, talvez com uns 11 anos, aprendi na escola o seu sistema de classificação dos seres vivos.

Até hoje continuo a coleccionar  com carinho  alguns esquemas bem pensados que vou encontrando por aí. Aqui ficam quatro.

 

Lineu e a classificação das espécies

É a Lineu que devemos o sistema de classificação das espécies em uso ainda hoje - a taxinomia binária que identifica cada espécie com duas palavras: uma para identificar o género, outra para restringir e identificar a espécie. Por exemplo, Quercus suber (o sobreiro). E cada planta, animal, ou outro ser vivo está bem arrumadinho dentro duma hierarquia, numa árvore que se vai dividindo em ramos cada vez mais finos.

Podemos não sentir grande comoção ao olharmos, hoje, para o resultado visual dessa taxonomia, se for como esta imagem.

1024px-Linnaeus_-_Regnum_Animale_(1735).png

Mas se fizermos como Ernst Haeckel e mostrarmos esta organização como uma árvore, torna-se mais bonito - e a ideia fica mais clara.

Haeckel_Tree_2K-1110x1720.jpg

A ideia de que se podem organizar todos os seres vivos usando um esquema tão simples fascina-me. Mesmo que, desde os tempos de Lineu, muita coisa tenha mudado nesta classificação, criando algumas dores de cabeça aos cientistas.

 

Como resolver as relações de parentesco em três pauzinhos

Uma professora de antropologia mostrou-nos uma vez, numa aula, o sistema que representa as relações possíveis entre os seres humanos unidos por graus de parentesco. Trata-se de um conjunto de apenas três símbolos que permitem saber quem é filho de quem, casado com quem, e irmão de quem. A partir destes três, todos os avós, primos e demais família alargada são deduzidos.

Os símbolos são usados - e estão ligados entre si - como se exemplifica no diagrama abaixo. Basicamente: |______| indica uma relação de casamento (ou equivalente); um traço vertical liga o casal aos seus descendentes; e um sinal igual ao do casamento, mas invertido, junta os irmãos. E com isto, imaginem, podem fazer a vossa árvore genealógica por gerações e gerações. Se juntarem o pai ou mãe a outra pessoa usando o símbolo de irmãos, fazem crescer este diagrama com os tios, podendo ainda incluir muito mais família

parentesco.jpg

Há depois alguns outros símbolos (como os círculos ou triângulos para identificar o género, e outros mais), mas aqueles três garantem que toda a estrutura de parentesco está lá.

 

Como dizer o que querem dizer as palavras

Mais uma coisa que aprendi na escola - neste caso, na universidade. Um professor de linguística, que tinha trabalhado na criação de um dicionário, explicou-nos que um dos métodos de chegar à definição de um termo era ir fazendo perguntas e avançando com base nas respostas - um esquema não muito diferente do de Lineu, na verdade.

Um exemplo simples: a palavra lago. Temos de encontrar um conceito de partida que faça sentido, e que aqui pode ser água.

Pergunta 1: é doce ou salgada? Se escolhemos doce, já temos mais um termo para a nossa definição e já limitamos o conjunto de perguntas com as quais faz sentido continuar.

Pergunta 2: é água corrente ou parada? Se dissermos que é parada, já sabemos que não é um rio.

Pergunta 3: é de dimensão pequena, média ou grande? Se quisermos distingui-lo de um charco, por exemplo, diremos média ou grande.

E por aí fora. Com estas três perguntas temos a uma definição que já se parece com qualquer coisa: um lago é uma quantidade de água doce, parada, de dimensão média ou grande.

O segredo, claro, é saber fazer as perguntas certas...

Bariloche-_Argentina2.jpgLago Bariloche, Argentina (só porque é bonito...). Imagem: Chipppy, licença CC BY-SA 4.0

 

Ir sempre por bons caminhos

O quarto exemplo é o das marcas que assinalam os trilhos e percursos de caminhada. Cruzei-me com eles pela primeira vez há uma série de anos, e percebi o seu enorme valor quando fiz a Via Algarviana. A ideia de que com um conjunto de apenas quatro sinais podia percorrer 300 km em caminhos isolados, por montes e vales do interior algarvio, sem precisar de outra orientação, deixou-me levemente eufórica. Na verdade, este sistema, com os percursos já marcados no terreno, permite-me ir daqui até à Roménia, mas fica para uma outra oportunidade.

Screen Shot 2020-11-08 at 23.58.50.png

 

É ou não é bonito? Palminhas para as pessoas que inventaram estas coisas simples, eficazes, úteis e elegantes.